À medida que a conectividade sem fio avança, outras tecnologias são impulsionadas como a inteligência artificial, Internet das Coisas (IoT), cloud e a computação de ponta – mudanças que devem afetar, principalmente, o setor corporativo.
Uma pesquisa global da Deloitte, realizada nos primeiros três meses de 2020, ouviu 415 líderes empresariais sobre o futuro das organizações com o 5G e o Wi-Fi 6. 86% dos entrevistados acreditam que a tecnologia wireless transformará a forma de fazer negócios em três anos, e também, será uma oportunidade de oferecer novos produtos e serviços.
Mas, quais são as diferenças e semelhanças entre o 5G e o Wi-Fi 6? O que muda para as operadoras? Convidamos Augusto Pessoa, Diretor Técnico Global da QMC Telecom, para responder essas e outras perguntas.
Conectar bilhões de dispositivos, equipamentos e pessoas é realidade em nosso mundo e, para que isso aconteça, é essencial ter uma boa infraestrutura de telecom. “Com um crescimento anual médio de 25% a 35% no tráfego de dados móveis, as redes móveis precisarão dobrar suas capacidades a cada 2 ou 3 anos”, comenta.
Engenheiro eletrônico com mais de 35 anos de experiência em telecomunicações, atualmente, o executivo lidera os times na América Latina de design, implementação e O&M/NOC.
Confira mais detalhes da entrevista que Augusto Pessoa* concedeu ao QMC Conecta!
1- O que é o Wi-Fi 6 e como, com o 5G, ele ajudará na melhora das conexões?
Wi-Fi 6 é a sexta e mais nova geração de Wi-Fi, também é conhecida como Wi-Fi padrão 802.11ax. Se comparado com as outras gerações que estão em uso hoje, o Wi-Fi 4 ou 802.11n e Wi-Fi 5 ou 802.11ac, esta nova geração traz melhorias com relação aos seus antecessores, em especial ao que se refere à capacidade, eficiência e desempenho em termos de cobertura e qualidade.
Quando tratamos do Wi-Fi e das tecnologias móveis celulares, a palavra que resume bem a utilização de ambas é coexistência. Desde os tempos do 3G, quando o padrão Wi-Fi naquela época era o 802.11a/b/g, e mais recentemente com as redes 4G LTE, onde os padrões Wi-Fi evoluíram para o 802.11n/ac, o que vimos foi essencialmente a coexistência das tecnologias. Com o 5G e o Wi-Fi 6 não será diferente.
Ambas as tecnologias evoluíram, endereçam aplicações e objetivos diferentes, mas complementares. Quando o assunto é mobilidade, capacidade, latência, confiabilidade (QoS e segurança E2E), espectro de frequências e escalabilidade, estamos falando de 5G e as redes legadas de 4G LTE. Se precisamos de uma solução simples de implementar, mais barata e que atende às aplicações ou casos de usos do ambiente TI no mundo corporativo de pequeno e médio porte ou residencial, e que não requerem tudo o que se exige do 5G, então o Wi-Fi 6 é a resposta.
No que diz respeito ao Wi-Fi 6 e como ele evoluiu desde a última versão 802.11ac, o que vemos é um aumento de capacidade de pelo menos quatro vezes graças à adoção da técnica chamada de MU-MIMO 8×8 (Multiuser Multiple Inputs/Multiple Outputs 8×8). Com maior ganho do MU-MIMO em relação ao padrão 802.11ac, o Wi-Fi 6 pode conectar até 8 usuários simultâneos com a máxima taxa de transmissão. Além disso, houve uma evolução em termos de esquema de modulação. No Wi-Fi 6 este esquema é o OFDMA, que já foi amplamente testado no 4G LTE, e que melhora o desempenho do Wi-Fi em termos de eficiência e latência, em especial em aplicações que requerem mais banda. Estas melhorias, além de outras tais como o beamforming e o 1024 QAM, trazem uma experiência de usuário muito melhor se comparado aos padrões atuais de Wi-Fi, em especial os throughputs, que em média são 4 vezes maiores, o maior número de dispositivos que podem se conectar simultaneamente em cada Access Point e a estabilidade nas conexões.
Em resumo, com a introdução e coexistência do 5G NR e o Wi-Fi 6 veremos um salto muito grande em desempenho na conectividade. Vale a pena ressaltar também que, com um crescimento anual médio de 25% a 35% no tráfego de dados móveis, as redes móveis precisarão dobrar suas capacidades a cada 2 ou 3 anos e o Wi-Fi 6 terá um papel importante como solução de offload destas redes 5G NR.
2- O que muda para as operadoras com o novo cenário a ser implementado em breve no Brasil?
Com a adoção do 5G NR no Brasil vamos experimentar novas aplicações e desempenho muito melhor do que temos hoje em termos de velocidade, capacidade e qualidade na transmissão de dados. Com isso o ecossistema será ampliado e as Operadoras terão um leque muito maior de serviços para oferecer para a sociedade, que hoje é totalmente conectada.
Para ter uma ideia do que isso significa na prática, podemos nos focar naqueles que são os três pilares básicos que o 5G NR pode oferecer: eMBB (Enhanced Mobile Broadband), URLLC (Ultra reliable low latency communications) e mMTC (Massive machine type communications).
Com o eMBB as Operadoras poderão oferecer serviços baseados no FWA (Fixed Wireless Access) com maiores velocidades e estabilidade de conexão, como alternativa para outras soluções de banda larga que temos hoje. Isso ajudará a desenvolver os casos de uso de banda larga móvel de hoje, como mídia e aplicativos de realidade virtual e realidade aumentada, o Ultra HD ou streaming de vídeo de 360 graus e muito mais. Algumas Operadoras de redes móveis, como a da Verizon nos Estados Unidos, já estão demonstrando estes serviços 5G de “banda ultra-larga” que alcançam até 4 Gbps de velocidade, muito superiores às das redes Wi-Fi típicas.
Com URLLC, ou Comunicações de Alta Confiabilidade e Baixa Latência que fornecem suporte a aplicativos de missão crítica, veremos centenas de novas aplicações e em várias verticais diferentes. Entre elas, cito os carros autônomos e todos os sistemas de monitoramento e controle de trânsito naquilo que estamos chamando de Smart Road. Além dos carros autônomos, onde veremos frequentemente carros utilizando a função “Enviar o carro de volta para casa”, teremos a detecção de vagas de estacionamento em toda a cidade, redirecionamento de tráfego, estatísticas em tempo de real (carros vs caminhões, pessoas utilizando carros ou transporte público, condição de clima e poluição, etc.) e tantas outras aplicações graças a baixíssima latência (de 1 ms a 4 ms no user plane) do 5G NR e também a precisão de localização da ordem de centímetros.
Já no mMTC teremos uma massificação do IoT. Com uma capacidade 10x maior que no 4G, onde poderemos conectar 1 milhão de dispositivos por Km2, com baixíssimo consumo de energia e com a geração, transmissão e processamento automático de dados entre vários dispositivos sem a intervenção humana, o IoT deverá crescer de forma exponencial com o 5G NR.
Com todas estas novas capacidades e funcionalidades vejo o 5G NR como sendo a tecnologia que possibilitará a introdução da Indústria 4.0. Aqui ressalto que o Wi-Fi 6 tem grandes limitações para atender todos os requisitos que são exigidos na Indústria 4.0, mas terá um papel importante no offload das redes 5G NR, como comentei. Portanto, com todos estes novos modelos de negócios, as Operadoras poderão ampliar seus serviços e ajudar a densificar a economia digital.
3- Quais as semelhanças e diferenças do 5G e Wi-Fi 6 e como essa simbiose poderá ajudar os serviços que dependem de boa conectividade?
O 5G e o Wi-Fi 6 são tecnologias complementares e que deverão coexistir. Maiores velocidades de transmissão, mais capacidade e estabilidade nas conexões são algumas das semelhanças entre elas. Além disso, o Wi-Fi 6 terá papel mais importante do que as versões anteriores de Wi-Fi como mecanismo de offload das redes 5G NR.
As principais diferenças entre elas estão basicamente em quais aplicações ou casos de uso podem ter o suporte de cada uma delas e em que ambientes cada tecnologia poderá entregar os serviços que são exigidos. Ambientes corporativos de pequeno e médio porte ou residencial poderão experimentar as melhorias do Wi-Fi 6 que mencionei. Entretanto, para os ambientes tais como Shopping Centers, Hospitais, Centros de Convenção, Fábricas, Aeroportos, Metrôs, Estádios, Universidades e grandes ambientes corporativos, onde há maior densidade de dispositivos, a adoção do 5G é a opção adequada para suportar todos os casos de uso e serviços que são necessários nestes ambientes.
Algumas destas diferenças entre o 5G e o Wi-Fi 6 estão associadas com o espectro de frequências, mobilidade,latência, capacidade, confiabilidade e segurança, e como elas afetam os casos de uso.
Um dos aspectos mais importante que vejo é o relacionado com o Espectro de Frequências pois há diferenças importantes entre as duas tecnologias. O Wi-Fi 6 tem algumas limitações que são críticas em vários casos de uso deste novo mundo digital. Primeiro pelo fato de usar as bandas compartilhadas e não licenciadas de 2,4 e 5 GHz. Portanto, podemos ter níveis mais altos de interferência entre as redes. Adicionalmente algumas redes Wi-Fi também podem sofrer com interferência externa de equipamentos operando na mesma banda de frequência, tais como o Bluetooth por exemplo. O efeito prático disso é a redução no throughput e menor estabilidade das conexões. Com respeito ao compartilhamento dos canais de uplink e downlink que temos no Wi-Fi, poderá haver perda de desempenho em alguns dispositivos. Se pensarmos em ambientes e aplicações de missão crítica, tais como a Indústria 4.0, isso é um gargalo. Outra questão é sobre as bandas disponíveis do Wi-Fi 6 com 20, 40, 80 ou 160 MHz. De forma prática, por conta do reuso de frequências, com o objetivo de ampliar cobertura e capacidade das redes Wi-Fi, a utilização destas bandas fica limitadas em 20 MHz na faixa de 2,4 GHz e 80 MHz na faixa de 5 GHz.
Já nas redes móveis, o uso de frequências licenciadas permite menor incidência de interferências e mais controle sobre elas. Além disso as Operadoras deverão usar as três faixas de frequências destinadas para o 5G: Baixa (< 1 GHz; 700 MHz em 32 países por exemplo, e 600 MHz no México ou nos EUA com a T-Mobile), Média (de 1 a 6 GHz; 2,3 e 3,5 GHz em vários países, incluindo o Brasil, além da Banda C nos EUA) e Alta ou mmWave (> 6 GHz, tais como o 26 ou 28 GHz). É importante ressaltar que as bandas mmWave serão um requisito essencial para 5G e são acessíveis com novas técnicas e designs das antenas. Em adição não podemos esquecer do 5G DSS (Dynamic Spectrum Sharing) que é uma alternativa que permite o lançamento de algumas das melhorias que o 5G traz utilizando as atuais bandas de 4G, e as larguras de banda disponíveis em cada uma destas faixas de frequências dedicadas ao 5G NR, tais como os 80 a 100 MHz na faixa de 3,5 GHz e de até 1 GHz de largura de banda no mmWave. Outra vantagem desta maior possibilidade de uso em várias bandas de frequências, é quanto ao mecanismo conhecido como Carrier Aggregation. No 5G NR é possível fazer até 1 GHz de agregação de frequências em bandas não contíguas enquanto no Wi-Fi podemos usar apenas dois blocos próximos de 20 MHz na faixa de 2,4 GHz e até 80 MHz no caso do 5 GHz por conta da indisponibilidade de blocos contíguos nesta faixa de frequências.
Para os casos de uso que requer conectividade contínua com baixa latência e mobilidade, a melhor solução é o 5G NR,pois foi desenvolvido com isso em mente, em especial em casos de uso relacionados à segurança e controle crítico. Dispositivos se locomovendo com velocidades que variam de 0 a 500 Km/h são suportadas pelo 5G NR como parte de suas especificações básicas, graças a habilidade dos dispositivos móveis e a rede trabalharem juntos medindo continuamente os níveis e qualidades dos sinais, o que faz com que os handovers sejam muito mais eficientes e rápidos. No caso das redes de Wi-Fi, o handover entre os Access Points é mais lento, podendo variar de 30 até centenas de milissegundos, o que pode gerar instabilidades e interrupções nas aplicações em dispositivos que estão em movimento. No que se refere à latência, ambos 5G NR e Wi-Fi 6 trazem grandes melhorias que seus antecessores. No caso do Wi-Fi 6 a introdução do BSS Coloring trouxe um melhor desempenho neste quesito. Entretanto no 5G release 16, a latência no ”user plane” pode ser tão baixa quanto 1 milissegundo, o que é bem melhor do que temos com Wi-Fi 6.
Da mesma forma que a latência, ambas tecnologias também evoluíram significativamente em capacidade, como já mencionei. Mas o 5G NR é capaz de suportar uma densidade muito maior de dispositivos conectados, chegando a dar suporte e conexão para até 1 milhão de dispositivos por Km2. Essa capacidade associada ao desempenho de baixíssima latência e alta confiabilidade (> = 99,999% de probabilidade de sucesso na transmissão de dados de sinalização dentro de 1 milissegundo), serão essenciais para a massificação da Industria 4.0.
No campo da Segurança, houve melhorias importantes nas duas tecnologias. Mas ambas são robustas e preparadas para novas aplicações e casos de uso que estas tecnologias suportam. No caso do Wi-Fi 6, a segurança é mais voltada para o acesso às redes de TI onde a autenticação é o ponto chave. A adoção mandatória do WPA3 (antes era opcional) trouxe mais segurança do que as versões anteriores de Wi-Fi. No caso das redes móveis a autenticação é baseada nos SIM cards e eSIMs que é mais adequada para dispositivos com grande mobilidade. Com o 5G NR a segurança evoluiu para uma há a introdução de uma nova estrutura de autenticação, baseada no EAP (Extensible Authentication Protocol), trazendo a flexibilidade adicional suportada no mundo TI das empresas.
4- O que as operadoras pensam sobre o tema, e o que pode mudar para os usuários no futuro próximo?
As Operadoras costumam a se planejar com um olho no futuro, pois uma decisão errada hoje pode forçá-los a fazer investimentos maiores nos anos posteriores. Hoje, sem dúvida, o foco é agregar a maior largura de banda possível para os rollouts do 5G NR. Por isso, o foco de curto prazo é o leilão das frequências de 5G. Mas já há a preocupação de como atender aos novos casos de uso em um ambiente muito mais diverso do que vemos hoje do ponto de vista de conectividade. Além disso tem que estar preparado para fazer a ampliação das redes tendo um crescimento anual médio de tráfego de dados de 25% a 35% por ano como já mencionado. Portanto, o asset mais crítico e desejado, chama-se banda. Pensando em futuro, as Operadoras em várias partes do mundo pleiteiam parte do espectro de 6 GHz que chega a ter 1200 MHz de largura de banda disponíveis. A briga por esta fatia importante de banda de frequências entre as Operadoras de redes móveis e o novo Wi-Fi 6E é tema que tem causado muitos debates.
Aqui no Brasil a ANATEL liberou o uso de frequências não licenciadas de 5,9 GHz a 7,1 GHz como bandas para o Wi-Fi 6E. O pleito das Operadoras era de reservar ao menos 700 MHz desta banda para futuro uso do 5G NR. Sem esta fatia da banda de 6 GHz as Operadoras terão mais desafios para manter o QoS das aplicações de 5G NR com o crescimento no tráfego ou a maior densidade de assinantes em hotspots. As demandas da Indústria 4.0 são exemplos disto. Há, entretanto, o 5G NR-U que foi lançado pelo 3GPP no release 16, similar ao LAA (license-assisted access) do LTE, que possibilita a combinação das bandas licenciadas e não licenciadas para aumentar o desempenho das conexões e melhorar a experiência dos usuários. À primeira vista, o NR-U adiciona complexidade às redes, mas há que pesar também os benefícios, custos e desvantagens potenciais desta abordagem.
Bem, seguramente há um debate mais longo aqui, mas fica claro cada vez mais que a Coexistência das tecnologias só aumenta, assim como as vantagens para a sociedade que a cada dia está mais conectada.
*Engenheiro eletrônico com 35 anos de experiência no setor de telecomunicações, na QMC lidera os times LatAm de design, implementação e O&M/NOC de alguns dos produtos da empresa, em especial o DAS. Considerado no Brasil um dos executivos de telecomunicações com mais experiência na área de RF, Augusto também possui experiência em outras áreas técnicas relacionadas à redes de telecomunicações; das principais tecnologias IP e de transporte, a todos os tipos de redes de acesso móvel que operaram nos últimos 25 anos, desde a introdução do AMPS no Brasil no início dos anos 90. Trabalhou na Ericsson Telecomunicações (22 anos), LCC International, Philips Telecom, Splice, COMCAST e Instituto de Pesquisas Espaciais – INPE. Na Ericsson liderou as áreas de design, planejamento e otimização de rede por mais de 10 anos, gerenciando a construção de mais de 10.000 sites de telefonia celular. Criou o MICC – Market In-Building Competence Center que projetou e implementou mais de 550 projetos de indoor no Brasil e em outros países da América Latina. Na Ericsson, ele foi responsável pelo primeiro projeto de virtualização comercial do mundo (vEPC).